A antropóloga Regina Polo Müller (2008) defende a existência de uma arte indígena, aproximando-a dos valores e concepções da arte contemporânea. Se pensarmos segundo preceitos da Renascença ao Iluminismo de arte como “domínio autônomo de julgamento humano” e como “um fim em si mesmo” a cultura indígena não poderia produzir arte. No entanto, aproximando a concepção de arte contemporânea dirige seu interesse às práticas artísticas de sociedades indígenas por seu caráter integrado nos diversos domínios da vida social e sua natureza múltipla, ativa, participante e coletiva.
A noção de agência, a partir da qual se entende que nas artes indígenas, objetos e demais manifestações expressivas são mais para provocarem estados e processos de conhecimento e reflexividade bem como transformações sociais ou ontológicas do que para serem contempladas, vem mais diretamente auxiliar no estabelecimento de analogias com as manifestações da arte conceitual e da arte da performance e, desse modo, contribuir para explorarmos a ideia de contemporaneidade na arte indígena.
Para relacionar ritual e arte da performance a autora privilegia a situação de dialogia e o caráter processual/experiencial presentes em ambos. Do caráter processual/experiencial, ela destaca a reflexividade inerente à performance em geral “cultural”, para cotejar à prática reflexiva definidora, por exemplo, da contemplação do ambiental.
Esses conceitos são exemplificados pela autora no ritual cosmogônico das flautas Turé, no qual, os personagens incorporados na ação performática, desenvolvida pelas danças e cerimônias, são o morto e o matador, dos scripts dos mitos de origem. Os tocadores desempenham a função de executar a música (tocando e dançando) que, juntamente com o choro ritual, afastam os mortos para sempre da vida dos vivos, garantindo a ordem cósmica de separação e convivência entre seres diferentes.
O cortejo liderado pelo personagem/papel ritual do Kavara, tocador de flauta, que se inicia na casa dos visitantes tocadores de flauta, dirige-se à casa comunal e retorna à casa dos visitantes, pode ser interpretado como a transmutação simbólica do guerreiro (o matador) para o representante do morto (o sobrevivente Kavara), sintetizando, na ação performática, um princípio da cosmologia e ontologia Asuriní.
No ritual, o guerreiro é tatuado e o morto é chorado. A tatuagem separa substancialmente o matador da vítima, com a extração do sangue de seu corpo e o choro ritual sobre a sepultura, separa cosmicamente o morto e o vivo. A ação ritual – cortejos, danças e ritos cerimoniais – que se desenvolve entre a casa comunal e a casa dos visitantes realiza, de um lado, a passagem entre esferas cósmicas e os estados ontológicos e, de outro, estabelece relações entre estes níveis: vivos e mortos, humanos e espíritos, Asuriní atuais e ancestrais.
As imagens que seguem são para exemplificar um dos diversos rituais do turé, não é o do povo Asuríni que a antropóloga exemplificou e sim do povo Caxiri, mas possibilita perceber as características dessa conceito de arte de performance que Müller desenvolve.
Preparação do Turé:
http://oiapoque.museudoindio.gov.br/exposicao/ture/video-preparacao/
Dança do Turé:
http://oiapoque.museudoindio.gov.br/exposicao/ture/video-danca/
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
MÜLLER, Regina Polo. A arte dos índios e a arte contemporânea. Ciência e Cultura. vol.60 no.4. São Paulo Oct. 2008. p. 40-44.
A noção de agência, a partir da qual se entende que nas artes indígenas, objetos e demais manifestações expressivas são mais para provocarem estados e processos de conhecimento e reflexividade bem como transformações sociais ou ontológicas do que para serem contempladas, vem mais diretamente auxiliar no estabelecimento de analogias com as manifestações da arte conceitual e da arte da performance e, desse modo, contribuir para explorarmos a ideia de contemporaneidade na arte indígena.
Para relacionar ritual e arte da performance a autora privilegia a situação de dialogia e o caráter processual/experiencial presentes em ambos. Do caráter processual/experiencial, ela destaca a reflexividade inerente à performance em geral “cultural”, para cotejar à prática reflexiva definidora, por exemplo, da contemplação do ambiental.
Esses conceitos são exemplificados pela autora no ritual cosmogônico das flautas Turé, no qual, os personagens incorporados na ação performática, desenvolvida pelas danças e cerimônias, são o morto e o matador, dos scripts dos mitos de origem. Os tocadores desempenham a função de executar a música (tocando e dançando) que, juntamente com o choro ritual, afastam os mortos para sempre da vida dos vivos, garantindo a ordem cósmica de separação e convivência entre seres diferentes.
O cortejo liderado pelo personagem/papel ritual do Kavara, tocador de flauta, que se inicia na casa dos visitantes tocadores de flauta, dirige-se à casa comunal e retorna à casa dos visitantes, pode ser interpretado como a transmutação simbólica do guerreiro (o matador) para o representante do morto (o sobrevivente Kavara), sintetizando, na ação performática, um princípio da cosmologia e ontologia Asuriní.
No ritual, o guerreiro é tatuado e o morto é chorado. A tatuagem separa substancialmente o matador da vítima, com a extração do sangue de seu corpo e o choro ritual sobre a sepultura, separa cosmicamente o morto e o vivo. A ação ritual – cortejos, danças e ritos cerimoniais – que se desenvolve entre a casa comunal e a casa dos visitantes realiza, de um lado, a passagem entre esferas cósmicas e os estados ontológicos e, de outro, estabelece relações entre estes níveis: vivos e mortos, humanos e espíritos, Asuriní atuais e ancestrais.
As imagens que seguem são para exemplificar um dos diversos rituais do turé, não é o do povo Asuríni que a antropóloga exemplificou e sim do povo Caxiri, mas possibilita perceber as características dessa conceito de arte de performance que Müller desenvolve.
Preparação do Turé:
http://oiapoque.museudoindio.gov.br/exposicao/ture/video-preparacao/
Dança do Turé:
http://oiapoque.museudoindio.gov.br/exposicao/ture/video-danca/
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
MÜLLER, Regina Polo. A arte dos índios e a arte contemporânea. Ciência e Cultura. vol.60 no.4. São Paulo Oct. 2008. p. 40-44.
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